Somos uma escola onde o processo de aprendizado é coletivo
Os participantes do curso são divididos em comunidades que são animadas por mentores
Aproveitando o piloto da Escola de Agentes Democráticos para refinar nossa, digamos, pedagogia democrática.
Como na velha anedota do consultor, a questão é saber qual parafuso apertar, não apertar todos os parafusos ou desmontar e tentar remontar o mecanismo.
Temos pouco tempo de contato com os participantes (apenas 26 eventos). Então a questão é saber quais são as poucas “pílulas” de compreensão da democracia que podem levar a uma mudança de perspectiva.
Conteúdos de democracia como os que são ensinados, por exemplo, em cursos de direito ou mesmo de ciência política, não têm esse efeito.
Isso é para dizer que não se trata, portanto, de encher as cabeças das pessoas com novos conteúdos e sim de ensejar que elas adotem novos pontos de vista. Entretanto, as pessoas só abandonam seus velhos pontos de vista se mudarem de “lugar” a partir do qual olham as coisas. Somente a conversação recorrente em uma nova rede pode produzir esse “milagre”. Por isso os participantes foram divididos em comunidades de aprendizagem. E cada comunidade de aprendizagem é animada por um mentor-netweaver (ou até mais de um).
Mas essas conversações são mais propensas a ensejar insights se nelas comparecerem aquelas ideias, em geral contra-intuitivas, que abalam as certezas prévias dos interagentes. São as tais “pílulas”, que também já chamamos de pedaços do “DNA” da democracia. Por exemplo:
- a democracia como a política propriamente dita, ou seja, a política que toma como sentido a liberdade
- a democracia como processo de criação social do commons (no sentido político do termo)
- a democracia como o regime sem um senhor (na definição, talvez a primeira escrita, de Ésquilo, em Os Persas)
- a democracia como processo de desconstituição de autocracia
- a democracia como o regime sem doutrina; ou, a democracia não como um ensinar e sim como um deixar-aprender
- a democracia como o regime sem utopia; ou a política como “utopia” (na verdade, topia) da democracia (e não o contrário); ou, ainda, a democracia não como ponto de chegada de uma caminhada e sim como um modo de caminhar
- a democracia como o regime da opinião, da interação e da polinização mútua de opiniões, da liberdade de opinião – ou seja, da isologia, isonomia e isegoria no tocante às opiniões, que não desvaloriza a doxa em relação à episteme ou à techné (quando se trata do processo de formação da vontade política coletiva)
- a democracia como “metabolismo” de uma rede (mais distribuída do que centralizada) social (quer dizer, propriamente humana) de conversações
- a democracia como auto-organização societária (a rigor, comunitária)
- a democracia como modo-de-vida ou de convivência social
- a democracia como uma brecha no muro da cultura patriarcal; ou como um modo de desprogramar (detox, rehab) cultura autocrática
- a democracia como dinâmica neo-matrística ou revivescência de uma cultura matrística (pré-patriarcal)
- a democracia como um erro no script da Matrix ou como uma janela para o simbionte social poder respirar
- a democracia como um modo não-guerreiro (pazeante) de regulação de conflitos (e, neste sentido, como o contrário da guerra – que é a autocracia)
- a democracia como o governo de qualquer um (e não o governo de um, de poucos, de muitos ou da maioria)
- a democracia como fruição da liberdade presente (que se materializa quando se interage na comunidade política, após a libertação do reino da necessidade, da servidão da casa ou da família e das exigências sobrevivência)
- a democracia como fundação constante da polis para encontrar um espaço onde os seres humanos possam se reunir permanentemente, sem necessidade, para gerar uma nova entidade (ou uma nova “espécie social” que surge quando vivemos a convivência); ou, a democracia como criação de novos mundos sociais.
Isso não esgota os pontos de vista possíveis. A democracia é atributo da sociedade aberta e, assim, da sociedade que tem o futuro aberto à invenção, portanto, aberta também à reinvenção do passado (ou seja, à possibilidade de construir e reconstruir a sua própria “tradição”).